terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Boas notícias!!

Há notícias que caem como mel. Foi o caso das notícias que recebi ontem na consulta com a Dra Ilídia.

Ontem acordei ainda não eram 7 da manhã. Um temporal, com trovoada e tudo, acontecia do lado de lá das janelas do meu quarto e pensei para mim mesma que não seria um bom presságio. Levantei-me com uma neura desgraçada, daquelas que nos levam a tratar os nossos entes queridos do piorio. Ninguém merece aturar-me, a mim e às minhas neuras.

Chegar ao IPO é sempre um tormento. Demoro mais tempo a sair da A3 e a entrar na Circunvalação do que a fazer a A42 toda. Já houve piores dias mas a verdade é que, como sempre, já ia atrasada. Desta vez, quem fez o enorme favor de me acompanhar foi o meu irmão. O primeiro dia de tratamento é muito saturante. É IPO de manhã até à noite.

De máscara posta lá entrei na caótica sala de espera das colheitas. Às 9.30 já estava despachada e sabia que tinha pela frente duas horas de espera até à consulta. Fomos até à cafetaria, para o primeiro café da manhã. Não teve aquele efeito rejuvenescedor tão característico, pelo contrário. Só de pensar nos dias difíceis que me esperavam já sentia náuseas. Li sobre isso e é possível que ocorram náuseas nos dias que precedem a quimio. Não sei se se tratará de algum efeito psicológico, mas pelos vistos acontece e, por momentos, pensei que padecia dele.

Chamaram-me para a consulta e fui encontrar a Dra Ilídia acompanhada de uma jovem médica em formação. Lembrei-me da Bé e de como me orgulho dela por ter conseguido entrar na especialidade de Oncologia como sempre sonhou. É preciso ter estofo e muito amor à camisola!

Levava comigo um CD com as imagens de um exame que tinha feito em Coimbra, uma PET (basicamente é um exame onde nos injetam uma substância radioativa que se vai ligar a zonas do corpo onde existam células com uma taxa metabólica elevada, como é o caso de células tumorais. Assim é possível fazer diagnósticos, controlar a eficácia de uma terapêutica e encontrar metástases). 

Este exame é necessário, bem como o biópsia óssea, para definir o estadiamento da doença. Esta biópsia foi já a Dra Ilídia que realizou (dói "comó carago!") mas a PET foi realizada ainda nos HUC e ficou de ser enviada por correio para o IPO. Como diz a Sofia, deve ter vindo de tartaruga e não pelos CTT, a avaliar pelo tempo que demorou. Demorou tanto tempo que resolvi acionar os meus próprios meios, que é com quem diz, tráfico de influências, e pedi à minha agente secreta que conseguisse o exame para mim sem ter de me dirigir aos HUC e pagar por um exame que é meu por direito. 
No entanto, a Dra Ilídia acionou também os meios dela e ontem já tinha consigo o exame. 
Juntamente com a biópsia, as imagens definem o estadiamento, tipo e duração do tratamento. A equipa médica da Hematologia já tinha reunido e avaliado os exames e decidiram que o estadio do meu cancrozinho é o 2. Cancrozinho não, porque o malvado mede 12 cm. E como tal, no final, vou ter de realizar radioterapia, que é o que se utiliza para massas volumosas e localizadas. Não me agrada, pelos efeitos que traz a longo prazo... mas antes radioterapia que quimioterapia. Sendo assim, há boas notícias! Não são resultantes do tratamento prescrito inicialmente, é mais um ajuste à minha realidade, ou à realidade do Barrabás. 
Não interessa, são notícias maravilhosas! 

Retiraram-me um dos fármacos, o Etoposido. Vou deixar de fazer R-CHOEP para fazer R-CHOP. À primeira vista a diferença não parece ser muita. Mas é. E foi esta diferença que me iluminou e me fez abrir um sorriso de orelha a orelha: a minha quimio passa a ser de um dia e não de três! Para além disso, este medicamento que me retiraram era o causador dos piores efeitos secundários. Aquele medo, irracional, que se tinha apoderado de mim e me fazia questionar "O que me vai trazer de novo este ciclo?" desapareceu, pura e simplesmente, porque a causa também desapareceu. E como uma boa notícia nunca vem só, fiquei a saber que só vou ter de fazer 6 ciclos. Tinham-me dito 8, porque não sabiam, ao certo, o estadiamento.

Li, uma vez, aquela crónica da Marine onde ela conta que uma médica lhe disse "Nós fazemos metade do trabalho. Os outros 50% fazes tu". Receber esta notícia foi como se tivesse atingido esses 50%. Foi como receber uma boa nota num exame, sabendo que a obtive pelo meu esforço e dedicação. A Pi diz que são as correntes de positivismo geradas em torno de mim. Eu cá acho, que no meio do azar que é o cancro, tenho a sorte de ter uma ou duas estrelinhas bem grandes e brilhantes. O que quer que tenha sido, deixou-me radiante. Foi como se me tivessem ligado à ficha e recarregado as energias! :)

Para acabar o dia em beleza (nem parece que estou a falar de um dia passado no IPO), a sala do hospital de dia em que calhei era a sala das camas. Não fosse o IPO um (quase) hospital de luxo, não se faz quimio só em cadeirões, mas em camas também, ah pois! Que bem me soube! Depois de me picarem, montarem o estendal todo para começar a quimio, lá me injetaram um anti-histamínico que ainda não me tinha apercebido que fazia parte da terapêutica. Agora compreendo o sono e a moleza! Adormeci e acordei passado uma hora com a confusão... Tinham derramado um pouco de medicamento de um dos sacos. Foi cortina, foi lençóis, chão, só não caiu em cima de mim, mas também não fazia mal. A enfermeira gritou, literalmente, pelo kit de derramamento e gerou-se um movimento em torno da minha cama que, ao princípio, tive dificuldade em compreender. Mas o perigo está à vista, são medicamentos citostáticos, tóxicos. À enfermeira só lhe faltou tomar banho para eliminar aquelas pinguinhas que lhe caíram no braço. Devo ter assistido aquela movimentação toda só com um olho aberto porque ela comentou, ao colocar novo saco de medicamento, "Tás com uma rabaça!!". E disse-o com a bela pronúncia do Norte.

Posto isto, se acham que neste momento estou a levar a minha tareia quinzenal, desenganem-se. Até vos digo, comi uma bela feijoada à minhota. Eu sei, sou uma gulosa de todo o tamanho. Mas hoje estava destinado ir para o IPO e a minha mãe planeou fazer esta comida bem pesada já que eu não estava por cá. Não tenho enjoos porque estou a fazer dois anti-eméticos, não vá o diabo tecê-las, nem dores de cabeça, nem má disposição. Só uma grande secura da boca (normal), falta de vitalidade/energia e um formigueiro na ponta dos dedos um tanto incomodativo. Mas nem por isso me impediu de espalhar a boa nova! 
E que venham muito mais boas novas para espalhar :D




domingo, 24 de janeiro de 2016

Nem tudo são rosas

Parece que o meu post anterior, tal como o nome do meu blog, gerou opiniões controversas. 
A propósito de pareceres "menos bons" que recebi, venho assim esclarecer alguns pontos.

Sou frontal, como já devem ter percebido. Digo o que tenho a dizer da forma mais clara e simples possível.
Não quero de forma nenhuma "beliscar" pessoas que "interagiram" comigo no facebook, muito pelo contrário. Sou uma pessoa humilde, sinto-me lisonjeada pela atenção que me tem dado, pelos comentários que me têm feito, pelos likes e reações que me tem deixado. Sou-vos grata, do fundo do meu coração, por me ajudarem a atingir o objetivo deste blog. O meu maior apoio vem, logicamente, da minha família e amigos mas também de todos os que me enviam mensagens de coragem. Sim, de todos os que me enviam mensagens a dizer "Não nos cruzamos há anos mas estou a torcer por ti".

A minha forma de brincar com as vossas "interações" não é prepotente, não tem malícia... Porque eu não sou essa pessoa! Aqui transpareço o que sou, com um pouco de humor (foi isso que aprendi recentemente). Quem me conhece entende e alinha, quem não me conhece, entenderá ou não. Devia ter pensado nisso. Mas para além de todas as qualidades que acabei de enumerar acerca da minha pessoa, esqueci-me de referir que sou impulsiva e por vezes precipitada... Ah, e convencida! ;)

O que escrevo é a verdade, é o que acontece diariamente. São constatações de factos. Houve um dia  que recebi tantos pedidos de amizade, de pessoas totalmente desconhecidas, que tive de repensar a minha decisão. Lamento não poder aceitar todos os que enviaram pedidos e espero que o compreendam. O que quero partilhar convosco, desconhecido ou não, está aqui. E por isso criei este blog, para ser público.

A esta hora a minha amiga Pi está a dizer "lá está ela a justificar o que não precisa de justificar". É uma questão de paz interior. Sou assim, não há nada a fazer amiga! ;)

Agora sim, vou dormir descansada, bem preciso... Amanhã é véspera de quimio, o 3º ciclo já está aí à porta! O tempo passa a voar e daqui a nada ando por aí a dizer que matei o Barrabás!

Espero poder continuar convosco nesta luta até que esse dia chegue.

Beijinhos e abraços
Bem-haja


sábado, 23 de janeiro de 2016

100 papas

No dia em que decidi concretizar esta ideia do blog, resolvi partilhar essa vontade com os meus amigos mais próximos. Primeiro havia a necessidade de escolher um nome para ele... "contraLINFOMAção", "Linfoma feito ao bife", entre outros, as opções dividiam opiniões e lá me decidi pelo "Linfoma feito ao bife", pois era o que reunia mais consenso. Tentei, inicialmente, a plataforma (se assim lhe posso chamar) Wordpress, mas não entendia nada daquilo. Sempre fui uma naba nestas andanças e fiquei mais satisfeita quando o Maias comentou que, em tempos, teve a mesma dificuladade. Sugeriu-me que mudasse para o blogspot por ser mais intuitivo. E de facto é muito mais simples, mas esteticamente menos apelativo que o Wordpress. Por falar em estética, um dia destes tenho de tratar de mudar o design desta página... As cores e o formato convencional cansam-me. Se algum entendido na matéria quiser dar uma mãozinha, toda a ajuda é bem-vinda! Se não, quando já não tiver mais assunto para escrutinar, dedico-me a ver tutoriais no youtube! 

Depois da criação deste blog (ou para ser sincera, desde que as pessoas sabem que eu tenho cancro), tenho-me apercebido de alguns factos ou mudanças comportamentais interessantes, quer nas redes sociais quer na vida real. Elaborei uma lista, para melhor compreensão.

10 coisas que te acontecem quando tens cancro

1. Crias um blog para partilhar a tua expriência mas as pessoas insistem em interagir contigo via Facebook. 
Como já desabafei aqui, isto tem sido de loucos. Perdi a conta às mensagens que recebi no FB - inclusivamente de pessoas que não são minhas amigas - e consigo contar pelos dedos da mão as mensagens que recebi através do formulário de contacto que disponibilizei no blog. Mais valia ter seguido a segunda sugestão do Maias, uma página no FB...

2. Sabes que alguém ficou a saber da tua situação quando o número de likes que essa pessoa faz nas tuas fotos de FB dispara. 
Torna-se tão óbvio que não consigo evitar sorrir de cada vez que isso acontece. A sério, é engraçado ver como há um padrão geral de reação. Normalmente esses likes precedem uma mensagem que dirá qualquer coisa como "Fiquei chocado(a) quando soube mas quero que saibas, apesar de não sermos próximos(as), estou a torcer por ti".

3. Curiosos sensibilizados pela notícia fazem likes em fotos antigas e geram uma corrente de likes.
Isso não acontece só comigo, acontece no facebook dos meus amigos também. As fotografias estão lá há anos, nunca ninguém lhes prestou grande atenção. Desde que tenho cancro, os meus álbuns são passados a pente fino. As velhinhas fotos voltam a surgir no feed dos meus amigos facebookianos e eles reparam que nunca as tinham visto. Então comentam e fazem like. Fazem like não, reagem, e enchem-me o facebook de notificações! 

4. Comentam o teu blog como anónimo e não assinam.
Já me disseram que comentar no blog é difícil, os comentários vão parar a Marte. Como é óbvio não utilizo essa funcionalidade  e, por isso, não me apercebi dessa dificuldade, mas confesso que fico contente ao constatar que há gente tão ou mais naba do que eu! Quando finalmente conseguem comentar devidamente, depois de terem andado a apagar comentários e a pública-los como se fosse uma resposta ao próprio comentário deles, não assinam. Infelizmente eu não tenho um dedo que adivinha!

5. Nunca te viram mais gorda mas procuram-te no facebook e adicionam-te.
A partir do momento que o meu blog foi partilhado no FB, os pedidos de amizade não param. Ponderei bastante, aceito ou não aceito. Via que a pessoa até tinha partilhado o meu blog e aceitar o seu pedido de amizade era uma forma de "retribuir", ou ser simpática... Mas ou aceitava todos ou não aceitava nenhum. Resolvi aceitar todos mas a situação tornou-se insustentável. Porquê? Porque o meu feed de FB foi invadido por pessoas que eu não faço ideia quem são!! E, por isso, escusam de me adicionar porque eu só aceito quem conheço. Para satisfazer a curiosidade dessas pessoas - porque as pessoas vão atrás de uma coisa, que é saber como eu era, como era a minha vida, antes de eu ter cancro - tirei hoje uma foto (onde incluí o meu Charlie porque ele dá sempre um certo charme às fotografias) para me poderem comparar à vontade!



Já agora, deixei de ter problemas com a minha careca (tenho mais problemas com o frio que sinto nela)!

6. Descobres quem são os teus amigos.
Próximos, ou não tão próximos, eu tenho mesmo muitos, muitos amigos! 
Há de tudo. Há aqueles que:
- já se sabia serem nossos Amigos e reforçaram-no das mais variadas formas;
- pensávamos serem nossos amigos mas afinal não o são (porque nem sequer quiseram saber da tua situação e não tiveram uma palavra);
- há aqueles que sabes que são teus amigos, são solidários e tal mas preferem seguir o blog e nem sequer nos dão o feedback (se calhar tem dificuldade em submeter o comentário);
- há aqueles com quem nem temos proximidade (diria até que, em alguns casos, há uma certa antipatia...) mas ficam tão sensíveis que te desconcertam com uma mensagem...
- e, por último, há os amigos à D. Sebastião, que são aqueles que regressam de um passado longínquo!
Para todos os meus Amigos, o meu coração é como o meu smart, há sempre espaço para mais um! :)

7. Descobres que as pessoas que te rodeiam são fortalezas
São várias mas há duas especiais e que tenho de referir: os meus pais
A minha mãe raramente desaba. Quando acontece, normalmente numa situação de sofrimento para lá do normal, não a critico, muito pelo contrário. Emociono-me ao vê-la desarmada à minha frente. Sou uma chorinhas, sempre fui, mas agora ainda mais... Quanto à minha mãe, sei que ela recupera rapidamente o escudo!
O meu pai tem um escudo diferente. Sempre foi um beijoqueiro, daqueles que me obrigava a dar um beijinho antes de sair do carro à porta da escola...  Mas agora está pior. Agora é beijinhos e festinhas na cara a torto e a direito. Mas eu sou parecida com ele, por isso não há problema :)

8. Perguntam-te sempre a mesma coisa: "Estás bem?"
Sempre que vem esta pergunta sinto que ficam à espera que eu diga que não. Umas quantas vezes caio no erro de dizer a verdade. E depois penso que o facto de as pessoas saberem que me doi aqui ou ali não resolve nada. Pior, apercebes-te que, quem gosta realmente de ti, sofre mais com o teu cancro do que tu. Por isso, a minha resposta vai ser sempre "Estou bem", "Doi mas nada de especial". E não, não queiram ser perspicazes e perceber se eu estou a mentir.

9. Cancro = poupar dinheiro
Não pagas os tratamentos, ficas isento de taxas moderadoras. Voltas para casa dos teus pais, por isso são eles que pagam tudo. Tens alopécia, o que se traduz na maior fatia da poupança. Passo a explicar: quando se faz quimioterapia não cai só o cabelo, cai tudo o que é pêlo em crescimento. Por exemplo, nunca mais arranjei as sobrancelhas, elas deixaram de crescer (espero que não caiam). O mesmo é válido para o resto do corpo... É como se tivesses feito lazer e ele tivesse resultado! Quanto ao cabelo, não precisas de gastar dinheiro em champôs de tratamento. Já para não falar na poupança de tempo. Não tens cabelo por isso de manhã ficas pronta em meia hora!

10. The last but not the least... Tens um cancro, podes tudo!
És apaparicada por tudo e por todos. Passas a ser o líder em tudo. Mentiria se não dissesse que é fixe, mas cansa ao fim de algum tempo... Basicamente, fazes tudo o que te dá na gana e toda a gente te desculpa porque... Tens um cancro!

É o que vai acontecer com este post. Vão achar-me ingrata, prepotente, com a mania. Afinal mandaram-me mensagem no FB e eu respondi de forma amável... E foi sincero, garanto-vos. Mandem as mensagens que quiserem, quando quiserem, através da plataforma que quiserem. Eu agradeço a dobrar porque sentir o vosso carinho é fabuloso e ajuda-me a passar o tempo enquanto penso na resposta!! :D


Quem não compreende o tom de brincadeira deste post, é parvo e chato. Espero que o compreendam, mesmo!
Desafio quem se indentifica com algum ponto da lista a deixar o seu comentário.

Mas quando o finalmente conseguirem publicar, não se esqueçam... Assinem! 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Quem não arrisca, não petisca!

Ora bem, chegou o momento de publicar a primeira das muitas experiências entre tachos! 
Resolvi, literalmente, meter as mãos na massa e o resultado foi muito positivo. Cozinhar tem em mim o mesmo efeito que tem este blog: entusiasma-me, liberta-me e leva-me para bem longe dos assuntos do dia-a-dia. O mesmo acontece quando nado (que saudades!), quando corro, quando compro um livro e vou toda contente para casa (mesmo que chegue a casa e o meta na prateleira em "lista de espera"). Enfim, não vou enumerar todas os hobbies que produzem boas sensações em mim, só queria deixar claro que isto de cozinhar, procurar receitas novas, ingredientes e combinações diferentes, é uma terapia!

Recorri ao livro "Receitas Deliciosas para Doentes Oncológicos em Tratamento", de onde tirei uma receita do Chef Bernhard Pfister

Wrap de farinha de trigo integral com peito de frango, abacate e amêndoas tostadas

(Foto livro)

Este wrap é ótimo para um jantar leve, ou para levar na marmita de almoço. 
Fiz algumas adaptações à receita. Basicamente tornei-a mais fácil, a nível de medidas, para facilitar a execução da mesma. Por esse motivo, a receita que, de seguida, vos deixo não é uma cópia integral da que está no livro.

Ingredientes wrap:
- 100g farinha integral 
- 2 ovos
- 20g manteiga com sal
- 200mL leite
- Uma pitada de sal

Confecção wrap:
1. Para preparar a massa do wrap, comece por derreter a manteiga. De seguida misture a farinha, o leite, a manteiga e o sal. Adicione o ovo e misture bem. (Para fazer a massa utilizei a bimby, velocidade 4, mas podem utilizar uma liquidificadora, varinha mágica ou uma vara de arames)

2. Unte uma frigideira anti-aderente com um pouco de óleo e aqueça bem. Coloque massa suficiente para um wrap, confeccionando-o como se fosse um crepe. Repita o mesmo para a restante massa (Dá 4/5 wraps).


Ingredientes recheio:
- 1/2 abacate 
- sumo de 1 lima
- 4 bifes de frango (ou o equivalente em peito de frango)
- 1 iogurte natural açucarado
- 1 mão cheia de amêndoa laminada
- salsa picada q.b.
- sal e cominhos q.b.

Confecção do recheio:
1. Comece por ferver o frango em água salgada (10 min). Deixe arrefecer e corte em tiras finas (podia ter usado a bimby para desfiar o frango mas optei pelo Turbochef da tupperware, um picador incrível).
2. Corte o abacate em cubos pequenos.
3. Misture o frango, o abacate, o sumo de lima, o iogurte, a amêndoa, o sal e os cominhos (este condimento dá um toque essencial ao recheio)

Por último, recheie o wrap, enrole-o e sirva de imediato. 






Acompanhe com uma salada variada e finalize com um delicioso Duchaise, disponível numa loja Rosa Sousa perto de si!

Bom apetite :)



Cancro com Humor

Este post deveria chamar-se "Não há coincidências - Parte II". Mas como já há por aí muitas "Partes", vou-me cingir aquilo a que realmente este post diz respeito: Cancro com Humor.

O meu amigo Kiko, que é também ele um ACC (Amigo Com Cancro), sugeriu-me, há umas semanas, que visitasse um blog, Cancro com Humor. Gostei imenso do blog. Com um toque refinado de "safadeza", como diz a autora, consegue desmistificar por completo este tema (ainda) tabu. Não sendo uma seguidora assídua de blogs (ironia das ironias) comecei a seguir o blog da Marine.

A Marine teve cancro há 10 anos atrás. Curiosamente, um linfoma no mediastino. O cancro voltou a entrar na vida dela, desta vez fazendo-a passar por ele no papel de cuidadora. Uma história do caraças. Mas que ela recorda com... Humor! Uma combinção improvável, mas irresistível!

Há uns dias atrás comecei a seguir a página de facebook da Marine e deparei-me com os seus primeiros vídeos. Depois de umas boas gargalhadas resolvi mandar-lhe uma mensagem. Fiquei fã.
Entretanto a "tia" Irene ligou-me a falar da palestra que a Marine ia dar hoje na Casa Ronald Mcdonald. Disse logo que sim. Convidei a minha prima Verinha, sempre disponível, e a minha mãe que, com muita pena minha, não podia ir. Lá foram as 3 da vida airada para o Porto, mais precisamente para o Hospital de São João, cujo perímetro inclui a Casa. Esta instituição/organização é incrível. Extremamente bem decorada, com tudo o que é suposto haver numa casa, acolhe famílias carenciadas, proporcionando aos familiares dos pequenos doentes todas as comodidades que uma casa pressupõe e permitindo que acompanhem de perto os tratamentos, sejam eles no IPO ou no S. João. 
Agora sei para onde vai o troco do meu menu Double Cheeseburger com extra queijo... Sim, vai para aquela caixinha onde nunca vi ninguém colocar moedas!

Nunca me passou pela cabeça conhecer a Marine pessoalmente mas a oportunidade surgiu e, como tinha gostado tanto dos vídeos, achei que não me ia arrepender de assistir à sua palestra. Não só não me arrependi como superou todas as minhas expectativas. Confesso que hoje não tinha grande vontade de ir... O "coiso", ou Barrabás, resolveu fazer "cucu"... Mas já tinha tudo combinado e fiz o esforço. Ainda bem que o fiz. Hoje aprendi várias lições, entre elas a "Vale sempre a pena sair de casa, mesmo que tenhamos um cancro a fazer-nos a vida negra", não fosse o cancro um "excelente educador".

A Marine é uma pessoa fantástica. Bem disposta, com uma alegria contagiante, é daquelas pessoas com quem criamos empatia ainda que não tenha havido contacto verbal direto. Incitou o público a participar na palestra e respondi a muitas das suas questões em surdina. Não gosto, nunca gostei, de falar para muita gente. Sei que coraria assim que me atrevesse a fazê-lo e escolhi ouvir as respostas dos outros. Felizmente a plateia era uma plateia ativa. Relatou a sua experiência com muita piada: pôs-me a rir e a chorar. Contive-me várias vezes para as lágrimas não me caírem. Como ela diz, "É da quimio", "os medicamentos deixam-me alterada" e com "as emoções à flor da pele". São boas desculpas! Mas também sorri e ri muito por detrás da minha melhor amiga, a máscara verde.
No final houve tempo para fotografias ao estilo da Ellen DeGeneres e selfies com a protagonista Marine. Ganhei o dia com a breve conversa que tive com ela e ainda ganhei um abraço. Dos verdadeiros.




Obrigada Marine por esta tarde excelente que nos proporcionaste. 
Continua com o teu trabalho maravilhoso, com o teu sorriso, energia e presença que tantos Carecas Power, como eu, inspira.
Bem-haja!



Vídeos da Marine:



terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Diagnóstico - Parte II

Este post devia ter surgido logo após a parte I mas... Acho que ainda vou a tempo!

Como disse anteriormente, foi internada nos HUC com diagnóstico de Pneumonia, no dia 10 de Novembro, uma terça-feira. Fiquei no serviço de observação, na urgência, durante 24h e quando achei que iria ter alta transferiram-me para o serviço de Pneumologia. As dores que me levaram à urgência tinham passado e eu sentia-me ótima. Não havia razão para eu estar ali, primeiro porque estava tudo controlado, não era uma pneumonia por aí além que não pudesse ser curada cá fora e segundo porque estamos a falar de um hospital público central, as pessoas só lá ficam em caso de extrema necessidade. No entanto, mantiveram-me ali por prevenção. Havia uma mancha estranha... Tromboembolismo pulmonar? Lesão neoplásica? Os médicos não me diziam nada diretamente, eram sempre muito vagos por isso fui obtendo informações através das minhas informadoras secretas dentro dos HUC... Um verdadeira máfia! 

Marcaram-me exames médicos para dias diferentes e comecei a aperceber-me de que ia ficar ali por tempo indeterminado. A minha preocupação eram os exames da faculdade, sempre a faculdade. Desisti dos exames dessa semana e comecei a estudar para o exame da semana seguinte, Virologia, esse pincel. A minha agente infiltrada Eliana, médica em Coimbra, levou-me a conhecer o hospital (onde se circulava sem qualquer restrição), mostrou-me a máquina de café na ala dos transplantados, a biblioteca para onde fui estudar várias vezes, de pijama vestido, e até o sítio secreto onde os médicos, sorrateiramente, iam fumar... Mas desta informação eu já não precisava, felizmente!

Fiz amizade com as senhoras que partilhavam o quarto comigo, a D. Benilde e a D. Lurdes. Falava com elas para as ajudar a passar o tempo. Não podiam sair do quarto, ao contrário de mim que andava sempre no passeio. Nem uma televisão havia para se entreterem... Diziam-me que era a florzinha delas!

No seio dos enfermeiros e auxiliares fiz amigos também. Não houve um único que não gostasse, não havia nada a apontar-lhes, absolutamente nada. Apercebi-me do papel fundamental que desempenham. Quando não se tem noção da dinâmica de um serviço hospitalar é natural que não se tenha essa percepção. Se, para mim, já era chocante a precariedade das condições de trabalho destes profissionais, agora ainda mais o é. 

Comecei a fazer os tais exames médicos. Primeiro a broncofibroscopia óptica, um exame que se assemelha a uma endoscopia só que em vez de observarem o estômago, observam os pulmões. Torci um bocado o nariz à Dra Fátima quando ela me explicou que exame era este. Entrei em pânico quando, no dia do exame, percebi que ia ser entubada pelo nariz e não pela boca. Valeu-me a anestesia, da qual não tinha vontade de acordar, sentia-me nas nuvens! Encontraram a lesão e fizeram uma biópsia.

Posteriormente marcaram uma TAC. Depois deste exame tudo começou a ficar mais claro. Detectaram uma massa de células num espaço que existe no tórax, o chamado mediastino. Inicialmente pensaram tratar-se de uma lesão no Timo. Para confirmar, marcaram, de urgência, uma biópsia transtorácica. Iam furar-me o peito para irem, diretamente, ao local da lesão... Aí comecei a ficar preocupada... A Dra Fátima disse-me que tinha de fazer o exame o mais rápido possível e, por isso, se não fosse possível fazer nos HUC teria de ir ao Hospital dos Covões fazê-la.

De todos os meus amigos e família que me foram acompanhando, por vezes muito para além da hora de visita do Hospital, quem mais me apoiou na hora desses exames foram as minhas enfermeiras do coração, a enfermeira Alexandra e enfermeira Dina.

No dia da biópsia transtorácica a Dina acompanhou-me aos Covões. Eu estava muito nervosa e com razão. Imaginem o que é estar amarrada numa maca enquanto vos fazem uma TAC e espetam uma agulha gigante no peito... Deram-me anestesia local mas a certa altura tiveram de a reforçar porque eu estava a sentir mais do que era suposto... Chorei, mais de nervosismo que de dor. Quando saí do exame lá estava a Dina. Nunca mais largou a minha mão, até voltarmos para os HUC de ambulância. E nos HUC estava a Alexandra à minha espera. Todos os dias, a Alexandra. Quando, de manhã, ouvia a sua voz forte no corredor sorria e esperava que entrasse no quarto com a sua boa disposição. 
Durante o tempo que estive internada e, fora do horário de visitas, foram o meu suporte, tornaram tudo mais leve. E por isso ser-lhes-ei eternamente grata!

Depois deste exame manhoso tive de permanecer deitada o resto do dia. Ao fim da tarde fiz um raio x para confirmar que não tinha ocorrido nenhuma complicação e só aí pude levantar-me. O exame de Virologia era no dia seguinte, dia 20. Sabia que depois deste exame médico nada mais tinha a fazer nos HUC e provavelmente iria ter alta. Mas ir ao exame na faculdade estava já fora de questão. Nem tinha estudado em condições nem estava em condições mentais de o fazer. Perdi o foco. Já só queria sair dali e ir para casa. E assim foi, na sexta tive alta e tinha a minha mãe e o meu irmão à minha espera para me levarem para o miminho de casa! 

Sair daquele hospital foi uma sensação de liberdade incrível e voltar a Felgueiras foi uma lufada de ar fresco, quanto mais não fosse porque nos HUC as janelas não se abrem :)


Outfit da moda!

Hoje foi um dia de adrenalina... e porquê? Porque quebrei as regras e fui enfiar-me exatamente no sítio onde fui proibida de ir... Um centro comercial, em hora de ponta!

O dia começou com uma longa espera no IPO. Desconfio que essa espera tenha sido culpa minha porque, de facto, cheguei lá com mais de meia hora de atraso. E como quem vai ao ar perde o lugar, pumbas, toma lá uma hora de seca! Para depois chegar lá dentro, levar uma "pica" (não sei o que a enfermeira pensou de mim para resolver usar este termo) e sair passados 2 minutos.

Já que estávamos no Porto, eu e a minha mãe decidimos passar pelo El Corte Inglês e pelo Ikea, pois há muito que precisávamos de umas coisinhas de ambos os sítios. Se não fosse hora de almoço ficaria no carro enquanto a minha mãe entrava, mas eram quase 14h e toda a gente sabe que eu me transformo numa diva quando estou com fome! 

Problema: defessas em baixo vs centros comerciais = perigo de infeção! 

A indicação que tenho é que, cerca de 3/4 dias após a quimio os níveis sanguíneos começam a baixar, uma vez que os medicamentos utilizados causam mielosupressão. Para contrariar essa tendência, já estou a fazer umas injeções, fáceis de administrar em casa, que estimulam a medula a produzir e a restabelecer esses valores. Mas ainda assim, e apesar de eu me sentir bem, há esse risco e cabe-me a mim proteger-me e resguardar-me. 
Mas e comer? Eu preciso de comer! 
Ora, se para o IPO, por indicação da Dra Ilídia, fui equipada com máscara, então o mesmo é válido para entrar ali, num instantinho, na praça da alimentação do Corte Inglês... 

Sabia que iam ficar a olhar para mim, sabia o que iam pensar. 
E quê? Não tenho direito? 
Afastei esse preconceito da minha cabeça, pus a máscara e entrei. Até já ia a pensar no Vitaminas! 

Cheguei lá e pedi o mesmo de sempre, a massa integral de cogumelos e feta com molho vinagrete. Tive o cuidado de trocar o tomate (porque não convém comer alimentos crus fora de casa, nunca se sabe se estão amukinados) pelos legumes grelhados e fiquei agradavelmente surpreendida pelo resultado. A propósito dos sumos naturais de lá, a minha mãe sugeriu que déssemos um saltinho ao SuperCor, não fosse aquele supermercado que tem tudo e mais alguma coisa. Abasteci-me de tudo o que é fruta com alto poder antioxidante entre outras super qualidades: goiaba, maracujá, pêra-abacate, mamão e mangostão. Não faço a mínima ideia qual a textura e sabor deste último mas amanhã já descubro com a ajuda da minha liquidificadora.

Saí, feliz da vida, para o parque de estacionamento e rumamos a mais um centro comercial. Desta vez optei mesmo por ficar no carro. No Ikea anda-se muito e o Barrabás já estava a dar sinal de vida... Como diz a Ana, uma amiga minha, é o Barrabás a estrebuchar!
Sabia que a minha mãe ia demorar. É impossível não se demorar quando se vai para o Ikea. Como não tenho amigos tinha de me entreter com qualquer coisa... Estou a brincar, os meus amigos, como pessoas normais que são, estão é todos a trabalhar aquelas horas! 
Li o meu livro, dormitei 5 minutos, falei com a Pi e tirei umas selfies. Porque não? E logo eu que adoro fotografias! 
Apresento-vos o meu novo outfit, parece que agora tenho de me apresentar assim em locais com uma certa densidade humana. 
Agora quando me virem não façam de conta que não me conhecem ;)


P.S.: A minha mãe trouxe várias coisas do Ikea, mas não o que precisava... Típico!

domingo, 17 de janeiro de 2016

A Revolta dos Pastéis de Nata

Nos últimos tempos, por força das circunstâncias, tenho vindo a constatar que a alimentação no doente oncológico é da máxima importância. Todas as pessoas com experiência direta ou indireta nestas coisas dos cancros e das quimioterapias dizem que a alimentação não foi o ponto mais crítico da situação, mas todas relatam, sem excepção, algum episódio "gastronomicamente" menos positivo.

Tive sorte de, neste segundo ciclo, não ter enjoado de nenhum alimento (lá estás tu a meter a carroça à frente dos bois... o 2º ciclo ainda não acabou!), mas no primeiro não tive escapatória...

A minha amiga Carolina, vinda diretamente de Lisboa para me visitar no fim-de-semana antes de Natal, e sabendo como sou perdida por Pastéis de Belém (ou era!) trouxe consigo 2 caixinhas deles, bem fresquinhos! Nesta altura há quem pense que eu devorei 10 pastéis, mas vá, também não sou assim tão gulosa! Comi apenas um. Soube-me pela vida. É um sabor tão nosso, tão português!
Na impossibilidade de receber mais do que duas pessoas por dia no internamento do IPO, ofereci uma das caixinhas ao pessoal lá do sítio. Apesar de se destinarem a serem comidos por mim e pela minha família, soube-me bem poder dar um miminho tão saboroso às enfermeiras e auxiliares que estavam ao serviço naquela tarde.

Como eu estava a dizer, comi apenas um. Não me perguntem o que aconteceu, mas depois daquele pastel não consegui comer mais nenhum. Nem olhar para a embalagem tão característica daquela casa eu podia. De todas as vezes que o fazia ficava de tal forma nauseada que tive de os fazer desaparecer da minha mesa de apoio... Conhecendo a Carolina como conheço, e sendo ela uma menina de Cascais, sei que quando ler este post vai pensar: "Que aborrecimento, fui transtornar o apetite à miúda!". Minha querida, a culpa não é tua, descansa, mas sim do raio do tratamento!!

Apercebi-me, neste preciso momento, que passou exatamente um mês desde essa visita. E desde então que a aversão a pastéis de Belém se mantém. 
Já não sei a que propósito, no dia de Natal comentei esta aversão recentemente adquirida à mesa, enquanto jantávamos cá em casa. A minha avó, já de uma certa idade, não entendeu que falava dos ditos pastéis com uma certa repulsa e fez questão de frisar "Guida, sabes como eles são bons? Quentinhos, mesmo a sair do forno!". Eu tentei a todo o custo afastar aquela visão do inferno e, num alvoroço, todos os que estavam à mesa tentaram mudar de assunto. Ela, coitadinha, não percebeu. E resolveu frisar de novo "E com canela e açúcar em pó por cima?!". Foi risota geral!

Deixando os pastéis (que já não posso ouvir falar) e voltando à importância da nutrição... Como só tenho consulta de Nutricionismo no IPO marcada para fevereiro, empenhei-me em saber mais sobre o assunto. Comprei um livro, de umas autoras espanholas e, entretanto, a Belinha ofereceu-me outro, lançado recentemente, que compila receitas de vários chefs de cozinha especialmente dirigidas a doentes oncológicos em fase de tratamento.


Ainda não tive oportunidade de explorá-los a 100% mas como facilmente se prevê, estão repletos de dicas e conselhos nutricionais para prevenir a desnutrição durante os tratamentos de quimo e radioterapia. Têm, inclusivamente, indicação de quais os melhores alimentos para combater ou evitar determinados sintomas que frequentemente surgem. O "Comer para Vencer o Cancro" está dividido em duas partes, uma onde constam os tais conselhos e outra que aborda a nutrição como uma via de prevenção de certos tipos de cancro. Ou seja, não são livros que se destinam, exclusivamente, a doentes com cancro, mas sim ao público em geral, o que os torna menos enfadonhos e mais interessantes para todos cá em casa!

Com tantas receitas nem sabia por qual começar mas optei por uma do Chef Henrique Sá Pessoa, uma omeleta-soufflê de cogumelos acompanhada por uma salada de rúcula. Tentei que a minha avó participasse ativamente na confecção da receita, visto ser também ela uma grande entusiasta de cozinha e sábia no que diz respeito a cozinha tradicional portuguesa. 

Não sou uma fotógrafa exímia, apesar de essa área me atrair bastante, mas prometo que vou dar o meu melhor, não só na cozinha como na foto reportagem, pois o objetivo é partilhar algumas dessas receitas aqui no blog. Para minha e vossas delícias :)

sábado, 16 de janeiro de 2016

Just a bad day, not a bad life!

Aquela história de não ter de voltar ao IPO por uns dias... Saiu-me o tiro pela culatra! Se na quarta-feira à noite já tinha um pouco de dor de cabeça, na quinta-feira, quando acordei, estava que nem podia. As dores de cabeça eram tão fortes que me obrigaram a chamar pela minha mãe e a pedir-lhe para ligar para a minha médica, pois nem me sentia capaz de articular o que fosse ao telefone. 
No meio da dor vieram as náuseas e, consequentemente, os vómitos. Tive indicação imediata para me dirigir ao IPO. 
Felizmente, esta terra está dotada de bons acessos e boas auto-estradas é o que não falta por cá. Trinta minutos depois estava a dar entrada na clínica de onco-hematologia do IPO. Fui vista pela enfermeira Carla, já minha conhecida, que me pediu para aguardar na sala de espera até que o médico que estava de urgência tivesse disponibilidade para me ver. E porque quem tem uma mãe como a minha tem tudo, aguardei na sala de espera, coberta pelo seu sobretudo e com a cabeça apoiada no colinho dela. Não havia outra posição possível! Entretanto lá me chamaram e fui vista pelo médico. O jovem médico que me atendeu era extremamente simpático e notei nele uns traços do Pedro, provavelmente pelo sorriso fácil, pele e olhos claros, de que tanto gosto. 

Comecei a descrever o que sentia e, a certa altura, já era ele que me descrevia a mim os sintomas que  eu tinha. Puxou do caixote do lixo para eu vomitar mais uma vez e deixou-me à vontade enquanto foi verificar a disponibilidade da sala de enfermagem para me colocar a soro. Não comia desde o dia anterior e estava desidratada. 500 mL de soro, uma dose de metoclopramida para me tirar as náuseas e uma dose de dexametasona, um corticóide. Isto em cima de 100mg de tramadol, um analgésico, e um comprimido de ondansetron, para as náuseas também, que já havia tomado em casa. 

Com esta dose de cavalo a Guida deve ter ficado bem... Só que não! Continuei ali, no colinho da minha mãe, coberta com o casaco dela à espera que o médico me observasse outra vez. 
Quando me voltou a avaliar ficou contente ao constatar que eu já conseguia ingerir alguma coisa, ainda que essa alguma coisa fosse somente água. Observou-me, auscultou-me, falou comigo e explicou-me que estas reações são normais... E a tendência é para agravar!
Lá me prescreveu mais uns medicamentos e mandou-me para casa descansar. Mais cedo ou mais tarde a dor de cabeça, que entretanto se tornou uma enxaqueca gigante, vai passar.  

Desde o dia em que toda esta aventura começou, só tive 2 dias verdadeiramente maus. Este foi um deles e ocupa a 1ª posição do top. É daqueles dias tão maus, mas tão maus, que nos levam a pensar "Porra, nunca mais me vou queixar por porcarias de nada que não têm repercussão nenhuma na minha vida. Hoje sim, hoje foi um verdadeiro mau dia e será um dia do qual vou ter sempre memória!"

Mas o mau dia passou e a Gui está de volta. Hoje já consegui comer e até voltei a ter apetite. Pude deliciar-me com a melhor tarte de maçã do mundo (amavelmente oferecida pela Armandina), entre outras coisas. A partir de agora, é sempre a melhorar (espero)!!




quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Todos os sonhos do mundo

Pronto, estou livre de IPO por uns bons dias. Por mais condições que o hospital de dia tenha, tornam-se cansativos estes dias de tratamento seguidos, para mim e para quem me acompanha. Começa com a espera na sala de espera. Tenho feito um esforço por não chegar atrasada, como é meu hábito, mas acho que não me devo preocupar muito, uma hora de seca é sempre garantida! 
Depois de estar lá dentro, suporto melhor a passagem do tempo. Falo com as enfermeiras e voluntários, ponho-me a par das notícias (agora que descobri como se muda de canal no plasma) e vou dormitando, o tratamento dá-me imensa sonolência... 

Sono, cansaço, enjoos, secura da boca, perda de paladar, retenção de líquidos, estes são os efeitos mais imediatos. Felizmente, há medicamentos potentes que diminuem a intensidade de alguns destes efeitos. Mas há sempre um mau estar físico e psicológico que permanece e contra isso não há remédio. Hoje é um desses dias, em que me sinto arrebatada por essa má disposição. Consola-me saber que, ao fim de algum tempo, estes eventos desaparecem. Vão estes, vêm outros mas... Um dia de cada vez!

O que queria partilhar hoje não tem nada a ver com efeitos secundários, mas sim com esperança e fé. Quem conhece o IPO do Porto sabe que, depois de ter sido remodelado, salvo erro em 2010, foram espalhados pelos seus corredores quadros com as mais diversas mensagens. Algumas mais parecem retiradas de sites brasileiros, mas hoje encontrei uma bem portuguesa, que me encheu as medidas.



No corredor do edifício central para o Hospital de Dia, um túnel suspenso que se assemelha aqueles que ligam as portas de embarque dos aeroportos diretamente aos aviões, dou de caras com este quadro que me faz parar e refletir. Faz tanto sentido! É exatamente isto que me faz levantar da cama todas as manhãs e ver a vida com bons olhos. É isto que me faz sorrir mesmo em tempos de adversidade. Eu tenho muitos planos, para mim e para os meus, muita coisa boa para fazer nesta vida... 

Citando Fernando Pessoa (ou Álvaro de Campos?), tenho em mim todos os sonhos do mundo e por isso a minha existência não pode terminar aqui!

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

2º Ciclo de quimioterapia

Começou ontem o segundo ciclo.
Todos os ciclos começam com análises, para haver certeza de que estamos aptos para receber a químio.
Cheguei ao IPO às 8 da manhã, já a sala de espera das colheitas estava a rebentar pelas costuras. Questionei-me se não teria sido boa ideia ter trazido a máscara, deve haver imensa "bicharada" a circular por aí, e nos hospitais ainda mais. Fiz análises às 9 e como sei que os resultados demoram cerca de 2h, previ que a consulta (marcada para as 10h) iria atrasar, não fosse eu a nova assistente do Professor Caramba, com estes lenços que agora uso na cabeça, como diz o Luís, um amigo meu.

Dito e feito, a consulta começou às 11h, hora para a qual estava programado o início da químio. A Dra Ilídia recebeu-me com o sorriso habitual, gabou-me o lenço e perguntou-me onde tinha aprendido a coloca-lo daquela maneira. Com as análises na mão, informou-me que estavam óptimas, com todos os valores dentro do normal. Também me disse que não iria ser sempre assim... É que, se o primeiro ciclo durou 21 dias, a partir de agora serão ciclos de 15. Ontem foi o dia 1, hoje é o dia 2. Como faço químio de 3 dias, só vou ter 12 dias para recuperar. A químio causa mielosupressão, ou seja, todas as células sanguíneas, eritrócitos, glóbulos brancos, plaquetas sofrem uma diminuição brutal no seu número, e consequentemente, a sua função fica comprometida. Como esta diminuição só começa a surgir uns dias depois da químio terminar, não há tempo para haver uma recuperação completa. Por outras palavras, quando começar a recuperar levo logo outra "tareia"... Foi a Dra Ilídia que o disse! 
Fiz-lhe várias perguntas, sobre o que posso ou não fazer durante o tempo que estou em casa. Acerca do exercício físico, proibiu-me de ir ao ginásio (estava a ponderar fazer pilates) e disse-me que devo evitar o contacto próximo com outras pessoas (também estava a ponderar ir aprender umas kizombadas com a Lu). Vou ter de optar por umas caminhadas ao ar livre, nada de corridas e exercício físico intenso. Devo ter feito uma cara esquisita, porque logo me disse que o meu corpo me vai mostrar que ela tem razão!
Sobre centros comerciais e cinema, explicou-me que, para além de estarem infestados de micróbios, o grande problema são os filtros de ar onde se alojam verdadeiras colónias de bactérias que, para o comum mortal são indefesas, mas para mim podem representar um perigo. Fiquei com pena, afinal esta é a melhor altura para ver bons filmes no cinema... Mas como um irmão prevenido (ou não) vale por dois, já lá tenho em casa uns pacotes de pipocas marca continente para fazermos uma sessão de home cinema! :)

A Dra Ilídia trocou-me o esquema do primeiro dia de químio. No internamento fiz, no primeiro dia, os 5 fármacos e o anticorpo, por via intravenosa. Só o saco do anticorpo demorou 5 horas e mediam-me a tensão de meia em meia hora, uma seca. Isto porque uma administração muito rápida poderia resultar numa resposta imunitária inesperada e poderia comprometer o resto do dia de tratamento. Desta vez, em hospital de dia, e uma vez que não apresentei qualquer reação ao Rituximab no internamento, trocaram a via intravenosa pela via subcutânea. Uma injeção e já está, menos cinco horas que tenho de cá ficar!
Quanto aos outros fármacos, tenho de os continuar a fazer da mesma forma: o etoposido,  a ciclofosfamida e a doxorrubicina por perfusão lenta (ficam os saquinhos dependurados como se fosse soro), a vincristina e a metilprednisolona são injetados quase diretamente no catéter. 

Já tinha estado numa sala de químio, no IPO de Coimbra. Consiste numa série de cadeirões, dispostos em torno da sala, cada um com um banco ao lado para o acompanhante. No centro da sala estão as enfermeiras e tudo o que elas precisam para pôr o tratamento a correr. Só que no IPO do Porto é tudo mais à frente. Tudo mesmo. Nestas salas de químio, os cadeirões tem a mesma disposição, mas cada um deles está separado do cadeirão seguinte por um vidro fosco onde se encaixa um plasma. Há, portanto, um plasma para cada doente. Aliás, os cadeirões não se limitam a ser simples cadeirões: são daqueles elétricos, mega confortáveis com um comando onde conto 8 botões diferentes. Até a cadeira onde a minha mãe se senta é uma cadeira almofadada, bem mais confortável que um banco. Ainda tenho a opção de puxar o blackout, uma tela que está presa ao tecto. Assim, não tenho de ver a vizinha da frente que acompanha o pai idoso e que está sempre a olhar para mim enquanto pensa "Valha-me Deus, uma rapariga tão nova!"

No IPO do Porto não há processos em papel, é tudo informatizado, o que agiliza a nossa passagem por cá. Quando chego à Dra Ilídia as análises já lá estão no computador e se ela resolver marcar-me um raio x para esse dia, quando me dirijo à radiologia, já lá estão à minha espera. Para não falar dos kiosks, umas maquinetas que estão espalhadas por todo o lado e onde, ao inserir o nosso cartão do IPO, temos à nossa disposição uma secretaria virtual. 

Nos HUC não havia estas comodidades todas, é um hospital antigo, não se pode pedir mais. Mas a simpatia, delicadeza de todos os profissionais que encontrei (todos, todos mesmo), compensa tudo o resto. 

Desde que entrei nestas andanças de hospitais e internamentos, não paguei um único tostão. Nem um cêntimo. Tenho tudo o que preciso, sou tratada como deve ser, sem nenhuma restrição. E ainda encontro médicos, enfermeiros, auxiliares, voluntários, com diversas qualidades das quais destaco a competência, sensibilidade e humanidade. Nunca encontrei, em parte nenhuma, pessoas tão humanas, especialmente no IPO.

Não percebo as queixas dirigidas a este SNS. Eu cá não preciso de privados, usufruo deste serviço, para o qual desconto mensalmente, sentada no meu cadeirão elétrico, numa posição intermédia entre o sentado e o deitado, enquanto assisto ao programa da Fátima. Querem melhor?!








segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Diagnóstico - Parte I

Antes de mais, deixem-me que vos tranquilize. Estou impecável e de volta ao ativo. Resolvi dar uma trégua ao blog, uma vez que o Barrabás me deu uma trégua a mim também, proporcionando-me um fim-de-semana sem qualquer tipo de dor. É com satisfação que me apercebo de que tenho seguidores assíduos e que se preocupam se lhes falho. Obrigada por isso! 😊

Queria ter escrito ontem, mas foi-me impossível. Queria ter escrito ontem porque fazia sentido ter sido ontem. Ontem fez 2 meses que esta aventura começou. Fez 2 meses que fui internada nos HUC e 2 meses que passei a ser uma não-fumadora. Já lá vamos...

Para já, preciso explicar como funciona o último ano de Ciências Farmacêuticas na FFUC. Não é um ano difícil, mas é um ano trabalhoso. Temos 9 disciplinas. Sim, perceberam bem, 9 disciplinas num semestre que, ainda por cima é mais curto que o normal. Os exames começam em novembro e acabam a meados de Dezembro. Ou seja, 9 cadeiras para arrumar em, sensivelmente, um mês. Uma delas, a opcional, fiz por trabalho; outra já a trazia feita do ano anterior. Tinha por isso 7 exames para fazer. Por mais acessíveis que sejam algumas disciplinas, outras não são assim tão fáceis e apresentam um volume de matéria assustador... 
Eu estava em pulgas para acabar o curso, por várias razões. A primeira delas é o facto de andar nesta vida há 10 anos. Primeiro Biologia, depois Farmácia, que foi o que sempre quis. Estou farta de estudar, quero, desesperadamente, andar com a minha vida para a frente. Vejo os meus amigos a saírem de casa, a ter empregos estáveis e (alguns) bem remunerados, a casar, a ter filhos... Não sinto, propriamente, o relógio biológico a dar horas (Pedro, relaxa) mas ter 28 anos e continuar na vidinha de estudante universitária não era o meu sonho!
Para além disso estava entusiasmadissima com os estágios. Tinha escolhido fazer estágio em farmácia hospitalar para além dos 4 meses de estágio na farmácia comunitária. Finalmente ia conhecer essa realidade com mais pormenor e que tão altas expectativas criava em mim!
Por último, tinha descoberto uma área, dentro das ciências farmacêuticas, que me interessava profundamente. Consegui, inclusivamente, que uma das professoras dessa área aceitasse ser minha orientadora da monografia que temos de apresentar no final do curso.
Havia data para tudo, tudo mesmo. Só me faltava ter data para a apresentação final de curso, que seria em Setembro deste ano...

No fim de semana que precedia o início da época de exames tive os primeiros sintomas. Estava com a minha amiga Laura na FEUC, a única faculdade cuja biblioteca está aberta ao sábado. Sentia dores no lado esquerdo das costas quando tossia. Já em casa apercebi-me de que, de cada vez que tossia, havia sangue. Não muito, mas havia. Convenci-me de que o esforço que fazia ao tossir tinha levado ao colapso de algum vaso sanguíneo mais frágil, nada do outro mundo. No dia seguinte, já na sala de estudo da AAC, comentei as dores com a Laura, lembro-me como se fosse hoje. Disse-lhe que achava que estava a fumar muito nos últimos tempos e que precisava de diminuir a carga tabágica, o que não era fácil em tempos de stress... No dia seguinte, optei por uns cigarros slim, aqueles super fraquinhos que as mulheres fumam, em detrimento do Ventil habitual. Sim, eu sei, não fazia a festa por menos! Nesse dia as dores aumentaram, doía a tossir, doía quando respirava fundo. Na segunda-feira entrei em pânico: o simples facto de respirar causava dores, mas eu não tinha tempo de ir ao hospital porque o exame era na quarta e eu tinha de estudar!!

Liguei às minhas amigas médicas. Tenho muitas, mas há três, já formadas, em que confio plenamente. O diagnóstico de pneumonia atípica era unânime. Dão-me antibiótico e recomendam-me que vá ao hospital se os sintomas agravarem. Na manhã seguinte, sentia ainda mais dor e resolvi mesmo ir à urgência. No caminho ainda me encontrei com a Carol para trocarmos e fotocopiarmos apontamentos. Estacionei na faculdade e no caminho para o hospital fumei o último cigarro, às 11 da manhã.

Fiquei horas naquela urgência. A primeira médica que me viu decidiu mandar-me para a urgência de pneumologia. Os médicos e enfermeiros andavam numa azáfama... Eu sentia-me invisível naquela cadeira. Esperei, estudei e voltei a esperar. Quando me chamaram eram 18.30h. Finalmente!! A médica vem-me com uma conversa estranha de que há uma mancha suspeita no meu raio x e enquanto não descobrirem o que é vou ter de ficar internada. Como? Oh Sra Doutora, eu tenho exames, 2 esta semana, não posso ficar internada! "Esqueça os exames, agora vai ter de cá ficar".
Olha agora, a minha vida a olhar para trás... Mal eu sabia que ia faltar logo a 3 e ia passar 10 dias num hotel chamado CHUC!



sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Little Princess Trust

Sexta-feira, 18 de Dezembro

No mesmo dia em que fui internada no IPO do Porto para iniciar o primeiro ciclo de quimioterapia, fui também à cabeleireira dar as primeiras tesouradas. Tinham-me ligado nessa manhã do IPO, ofereciam-me um fim de semana num hotel (quase) de luxo, em regime de pensão completa. Pensei duas vezes, mas resolvi aceitar porque nesta vida ninguém dá nada a ninguém e presentes destes não aparecem todos os dias!

Os planos para o fim-de-semana eram mais que muitos e incluíam reencontros com amigos vindos de Lisboa, Coimbra e Barcelona, jantar com os amigos de sempre cá do norte e passeios de bike à beira-mar... Com a mesma facilidade com que combinei mil e uma coisas, cancelei-as. Os amigos vieram na mesma, tiveram de revezar-se para me visitar no hotel, porque os porteiros eram chatos, muito chatos. Mas mantive a marcação na cabeleireira.

A Sarita e a Pi fizeram questão de me acompanhar. Sorriram para mim o tempo todo no espelho e iam fazendo sinais de aprovação enquanto a Leta tratava do assunto. Gostaram tanto do resultado que, no final, confessaram ter vontade de cortar também. 
A Sarita já tem um corte de cabelo curtinho, não dá para cortar mais. Mas a Pi tinha um cabelo bem comprido. Fizemos então uma espécie de pacto. Quando eu rapasse, a Pi cortava bem pequenino. Estava decidido.

No dia em que começou a cair liguei-lhe, em jeito de "Prepara-te que vais ter de cortar já". Como decidi rapar em casa, combinamos que esta semana eu a acompanharia à cabeleireira para cumprir o pacto que firmamos. Pela terceira vez... Assim foi.

Fui surpreendida por um update no pacto. A Pi não ia só cortar o cabelo, resolveu cortar e doa-lo. Infelizmente em Portugal, mais especificamente no IPO, não aceitam doações. Parece que o maior problema se prende com a falta de recursos, que impede que cabeleiras manfaturadas com cabelo natural levantem a auto-estima de pessoas cujas carecas resultam de quimioterapia... Não havendo possibilidade de doar em Portugal, parte-se para o estrangeiro.

No Reino Unido há uma instituição de caridade que assegura que crianças, especialmente crianças carenciadas, possam receber uma cabeleira. Chama-se Little Princess Trust e aceita doações de cabelo de pessoas residentes em outros países para além do Reino Unido.

O processo de doação é mesmo muito simples:
1. Lavar e secar o cabelo antes de o cortar.
2. Atar o cabelo com um elástico à altura que se pretende cortar. 
3. Fazer uma trança e atar a extremidade.
4. Cortar.
5. Colocar a trança dentro de um saco plástico (tipo congelação)
6. Colocar o saco dentro de um envelope almofadado e escrever a morada da instituição.
7. Enviar via CTT.

Há alguns requisitos e limitações:
- O cabelo deve estar bem tratado (sem pontas espigadas)
- Deve ter no mínimo 17 cm (O que são 17 cm em cabelos que passam o meio das costas?!)
- Aceitam cabelo pintado desde que seja numa cor natural
- Não aceitam cabelos Afro
- Não aceitam rastas



Tive o prazer de executar o passo número 4 do processo de doação, ao estilo do vídeo da Sofia Ribeiro só que com menos pompa e circunstância. Mas tinha o coração a transbordar de orgulho e isso basta-me.

Como podem reparar, não é necessário rapar o cabelo para se conseguir doar 17 cm. A Pi ficou tão gira com o seu novo corte! Digam lá se não tenho razão!



Desafio todas as mulheres que lerem este post a ponderarem a doação de cabelo a esta instituição. Para uma cabeleira ficar completa são necessárias 5 doações, ou seja, cabelo de 5 pessoas diferentes. Se têm o cabelo comprido e o querem cortar, não cortem só por cortar, cortem por uma causa. Até recebem um certificado no final!

Saímos do salão com a sensação de dever cumprido. Na segunda feira o cabelo da Sílvia, que parecia uma pequena cobra dentro do saco de plástico, segue para o Reino Unido. Nós ficamos por cá, porque temos mais que fazer, se não púnhamos o telemóvel em modo avião e íamos passear com ele!



Para mais informações acerca da instituição, sigam o link acima e vejam este vídeo, onde encontram mais informações acerca do procedimento de doação.





Em nome das carecas brilhantes de Portugal e desse mundo fora, obrigada Pi por este gesto tão nobre. És grande!!


Confia

O post anterior não era nada do que eu queria escrever. À medida que ia avançando ia recordando alguns episódios e situações e deixei-me levar. Espero que isto não aconteça muitas vezes. Divagar não é bom quando se tem tanto para contar. 
Quero situar as pessoas, explicar como cheguei até aqui, dar a conhecer o processo todo.
Este é o meu 6º post nest blog e ainda não fiz nada do que queria. Tão típico meu. Quero fazer tudo e não faço nada.
A Pi diz que eu sou um laranja no código das cores que caracteriza pessoas. "Pá, esta miúda está sempre a falar na Pi! Pi acima e Pi abaixo". Get used to it. A Pi é mesmo uma peça fundamental na minha vida. Tal como muitas outras que terei oportunidade de citar.

Voltando à questão (estão a ver como me perco?). Tenho um plano para este blog, obviamente! E o plano para hoje passava pelos primeiros sintomas, que me levaram aos HUC e culminaram num internamento forçado! No entanto, assisti a um vídeo divulgado hoje nas redes sociais que me fez alterar os planos. Vou falar do meu cabelo.

Assim que soube que ia fazer quimioterapia comecei a pensar nos efeitos secundários.
É inevitável, toda a gente sabe que é um tratamento duro e pesado. Questionei-me, será que no tratamento que vou fazer o cabelo cai? Foi das primeiras perguntas que fiz à médica hematologista quando ainda andava pelos Hospitais da Universidade. Ela disse que sim mas também disse que, normalmente, cai. Ou seja, pode não cair, certo? Como já sei que fármacos me vão meter para a veia, deixa-me ir espreitar o RCM. O RCM é o Resumo das Características do Medicamento e é um documento que se destina a profissionais de saúde. E eu, armada em quase farmacêutica, vou sempre ver os RCMs! Em 60% dos casos cai. Isto para quase todos os fármacos. Ou seja, se um não o provocar, esse efeito pode perfeitamente ser provocado por outro. Tendo em conta que são 5 fármacos, a probabilidade de não cair é ínfima. Conformei-me. Disse logo que não queria perucas. Para além de ter feedbacks pouco positivos, são muitíssimo caras, e, sinceramente, eu tenho coragem suficiente para sair à rua com um lenço na cabeça, sabendo bem que vou saber o que as pessoas estão a pensar quando os olhares se cruzarem. 

Posto isto, decidi que iria optar, inicialmente, por um corte à rapaz, uma coisa alternativa e moderna. E depois, quando o cabelo começasse a cair, rapava. Era bom para toda a gente: para mim porque me ia habituando a minha sensível auto-estima às mudanças, para os outros porque os poupava ao choque do cabelo rapado. 
Neste ponto, pensei especialmente nos meus avós. Apercebi-me de que as figuras maiores, os pilares da família, em especial o meu avô paterno e a minha avó materna, pessoas "rijas", de valores e convicções fortes, estavam frágeis. Senti que o peso do diagnóstico se abateu sobre eles. E eles, que já contam com uma idade avançada, cederam. Por isso, tinha de os poupar ao máximo. Assim foi.


Acho que o cabelo curto me fica bem. Vou ponderar manter um corte curto quando o cabelo voltar a crescer.
Esta fotografia foi tirada na noite de passagem de ano. Foi a última selfie do ano e a última selfie com o corte que tanto gostei de fazer (créditos à Leta, a minha cabeleireira, que prontamente se ofereceu para me mudar o visual quando tudo isto surgiu).

No dia 1 de Janeiro o cabelo começou a cair. Assim do nada, no primeiro dia do ano, sem aviso prévio. Achei que estava preparada... Não estava. Meia abananada com aquele acontecimento peguei no carro e fui para o Porto, tinha combinado encontrar-me lá com o Pedro, o meu namorado. Não me lembro de ter lá chegado, de tão absorta que ia nos meus pensamentos. Chorei. E depois cheguei à foz, vi o mar e tudo acalmou. Era suposto ser um dia feliz, afinal era o primeiro dia do ano e eu tinha acordado com uma vontade tremenda de aproveitar bem o dia (que estava péssimo a nível meteorológico)! 
O cabelo continuou a cair nos dias seguintes. Bastou-me uma boa noite de sono para me recompor e passar a ver as coisas com naturalidade. Já sabia que ia acontecer e não é nada de outro mundo. É só cabelo, e a queda é um efeito secundário como outro qualquer! Combinei com o meu irmão, domingo ao fim da tarde vamos rapar isto. Assim foi (mais uma vez).

Chego à casa de banho e tenho a máquina à minha espera, bem como um lençol para pôr à volta do meu pescoço e um banquinho para me sentar. Depois de tudo pronto ouço o trabalhar da máquina de barbear do meu irmão, cujo pente era especial para cabelos. Escolhemos a altura do pente e sinto a máquina junto ao meu ouvido. Digo ao meu irmão para ter cuidado com a orelha, ao que ele me responde "Claro Gui, a orelha não cresce de novo!"

Correu tudo lindamente até ao momento em que me rapou, por completo, o lado esquerdo da cabeça, que já antes estava mais curto. Parou a máquina e disse-me "Pareces o Skrillex!". Para quem não sabe, o Skrillex é um DJ. "Posso mandar um snap?", disse-lhe que sim. Sorri para a foto, um sorriso meio amarelo, e já está! 

Enquanto manda e não manda, a minha mãe, que assistia a tudo, apodera-se da máquina e recomeça o que ficou a meio. Como duas crianças, ela e o meu irmão entram numa disputa pelo comando da situação, em que o meu irmão vence facilmente. 
Começo a ter um vislumbre do resultado final e vou-me abaixo. Fico com os olhos marejados de lágrimas e não consigo evitar que caiam... Olho para o meu irmão e vejo que está a chorar como eu, mas não para de cortar. Dá-me um beijo na face e continua. É para cortar, é para cortar. 
A minha mãe mantém-se firme. Gostava de saber o segredo dela, onde vai buscar tanta força para se manter assim. Dizem que sou corajosa... A minha mãe é que é, um poço de coragem, boa disposição e boas energias!

Acabou, apara aqui e ali e estou pronta. Há cabelos por todo o lado. Procuro uma madeixa intacta para guardar mas estão demasiado espalhados, não há hipótese. Para além disso a minha mãe já tinha começado a limpar, por isso esqueci o assunto. Vou até ao meu quarto e tenho dificuldade em olhar para as várias fotografias que tenho na parede. Volto para a casa de banho e enfio-me na banheira. Chorei tudo o que tinha a chorar e deixei as mágoas serem levadas com a água que corria e me enrugava a pele. Prometi a mim mesma que não iria chorar mais por um cabelo que vai voltar a crescer, muito provavelmente mais forte e saudável do que aquele que tinha. Só queria que nascesse liso, seria uma boa recompensa!

Não gosto de me ver de cabelo rapado, mas, entretanto, habituei-me. Não saio à rua sem um lenço ou gorro, está frio e não me posso constipar. Para além de que não quero que se veja. Só mostro a quem me pede, não tenho orgulho no meu corte. Tenho mais nos lenços e nas diferentes formas de os amarrar. A minha mãe descobriu um vídeo genial que ensina a fazer 10 "amarrações" em 5 minutos. Não preciso de ver mais nada, está aqui tudo o que é preciso.


Hoje fui surpreendida pelo vídeo da Sofia Ribeiro. Mais uma vez, foi a Pi que me mandou, e depois o Pedro também. Adorei. Revi-me do princípio ao fim, principalmente no fim. Chorei com ela de novo, mas foi só desta vez! Admiro a coragem dela para partilhar com o país, o mundo inteiro, um momento tão íntimo como é aquele. Ficamos ali, completamente desprotegidos e impotentes, a ver desaparecer aquilo que também faz de nós mulheres, aquilo que nos torna tão femininas, diferentes e especiais e altera completamente a nossa figura, a nossa imagem. Foi o momento mais duro até agora. Não há dor, enjoo, efeito secundário nenhum que supere a dor psicológica que é ver o nosso cabelo desaparecer, pelo motivo que é.

A Sofia, sendo uma figura pública, dispõem de muitos mais meios e recursos. Usa aquilo que está ao alcance dela, tal como eu. 
No final, a lição é a mesma para todos. 
Confiar. 
Vai tudo correr bem.

Natal quentinho quentinho!

Ufa! Finalmente terminei de responder aos inúmeros comentários e mensagens que me foram deixando ao longo do dia. Sei que não vai ser sempre assim, tenho noção que esta afluência se deve ao impacto provocado pela notícia, pela natureza dela.

Funciona mais ou menos como as visitas que recebo. Depois do meu primeiro ciclo de quimio esta casa entrou numa roda viva. Toca a campainha, toca o telefone, o cão ladra, a minha mãe pergunta lá de dentro se alguém abriu a porta, o meu irmão confirma e recebe as pessoas ao mesmo tempo que atende o telefone. O Charlie fica doido porque adora ter convidados (especialmente se os convidados ficarem para o lanche) e eu, sabendo que precisava de repousar - tinha feito uma punção lombar antes de ter alta no IPO - não conseguia recusar as visitas.
A Pi diz que eu gosto de viver no limite. Eu soltei uma gargalhada quando ela me disse isto mas, mais uma vez, tem a sua razão. Não devia mas deixei que, quem quisesse, me visitasse nessa altura mais crítica. A mim fez-me bem ter pessoas novas e diferentes a toda a hora, já bastava não poder receber quase visitas nenhumas no internamento; Por outro lado, sinto que há necessidade de me verem, em carne e osso, para acreditarem que estou realmente bem.

Apesar das vantagens que as visitas me poderiam trazer, num desses dias com mil visitas agendadas, fui obrigada pela Joana a abrandar o ritmo. Não sei se foi a Joana médica ou a Joana amiga que falou... Qualquer que tenha sido a Joana (provavelmente foram ambas), a necessidade de repouso absoluto ficou bem clara. Tinha passado uma noite péssima, com dores, ansiedade e pensamentos menos positivos, que surgem no desespero de querer dormir e não conseguir...
Logo pela manhã a Joana veio cá a casa ver-me. Mediu-me a tensão, auscultou-me, fez-me perguntas e conversamos um bocadinho. A minha amiga é daquelas pessoas que tem a capacidade de nos acalmar só pelo seu tom de voz, estão a ver? Passado um bocadinho voltou a medir-me a tensão, já tinha baixado. E nem foi preciso tomar nenhum ansiolítico!
Descansei durante a tarde, descanso esse que só foi possível ao colocar o telemóvel em modo avião. Faz de conta que fui viajar!! :)

Ao fim da tarde estava bem melhor e ainda bem porque era noite de Natal. Arrastei-me até à sala de jantar e consegui, pela primeira vez desde que tinha vindo do IPO, fazer uma refeição completa à mesa.
No dia seguinte estava ainda melhor. Tinha dormido como um anjo e acordei com uma disposição fantástica. Para além disso tinha recuperado o paladar a tempo de saborear os doces tão típicos desta altura do ano. Ainda por cima estava um sol delicioso!!

Foi um Natal bem quentinho, principalmente pela ternura que me chegou de todos os lados. Foi um Natal especial e diferente. O próximo Natal vai ser um Natal como foram todos os outros ao longo destes anos. Com a diferença de que vou olhar para trás e vou recordar este dia com a satisfação de ter vencido uma batalha nesta guerra que é o cancro.

Não é a quimio, é o cancro.