terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Vida suspensa

Já lá vai uma semana desde a última vez que passei por cá... Comecei a sentir uma certa pressão por parte dos "leitores mais assíduos", que, curiosamente, são os meus amigos e familiares mais próximos. Falamos todos ou quase todos os dias mas, ainda assim, comunicar através deste espaço tornou-se imperativo. Desconfio que se deva ao meu problema de expressão... Afinal é mais fácil comunicar através deste teclado, pensar e ponderar as palavras para que exprimam da melhor forma o que vai cá dentro.
Num mês de blog escrevi 19 posts. Dia após dia fui contando as minhas histórias, algumas episódios e peripécias. Confesso ter receio de que as palavras comecem a escassear. Isto de ter cancro é muito "bonito" no início, mas como tudo na vida, converte-se numa rotina. Neste caso numa rotina entediante. 
Decidi, por isso, tirar umas mini férias da Gui versão doente oncológica e cometer umas loucuras à moda das pessoas "normais". Felizmente estou rodeada de pessoas que entendem muito bem esta sede de normalidade e embarcam comigo nestas aventuras... 

A primeira delas foi totalmente programada. Quem me conhece bem sabe que não sou uma entusiasta da sétima arte. Não sei o nome de atores, nem realizadores e não assisti aqueles filmes incontornáveis da história do cinema. Vejo poucas séries e pouca televisão. Não que não goste, apenas tenho uma tendência natural para livros em detrimento de filmes e acabo por ocupar de outra forma o tempo livre que tenho. Mas o fruto proibido é sempre o mais apetecido e agora que estou impedida de ir ao cinema senti uma vontade súbita de ver os grandes candidatos aos Óscares numa tela como deve ser. 

Como estamos em maré de "a Guida quer, a Guida manda", resolveram fazer-me a vontade. A Pi pensou num cinema que ficasse fora de um centro comercial (o que na verdade não teria assim tanta importância tendo em conta o objetivo) e tirou a tarde para satisfazer os desejos aqui da menina. O cinema fora do centro comercial é também ele o cinema mais próximo de Felgueiras e por isso não foi difícil escolher. O cartaz mudou, o que limitou as nossas opções mas a decisão acabou por ser unânime. Tudo a correr bem até ao momento de... comer as pipocas! O raio da máscara não dá jeito nenhum (para além de fazer muito calor) e decidi abdicar dela por uns momentos. Mas que mal faria? Afinal estávamos praticamente sozinhas na sala. Pesou-me na consciência aquela história dos filtros do ar condicionado e, pelo sim, pelo não, lá a pus. Foi nesta figurinha que assisti ao filme "A Queda de Wall Street".


Na minha opinião o filme está muito bem conseguido. Apesar de utilizar muitos termos técnicos e fazer uso de conceitos complexos, consegue prender-nos ao ecrã pondo a nu a fraude, a ausência de valores morais, a desonestidade intelectual que existe e suporta este mundo promíscuo dos bancos. Aconselho vivamente, quanto mais não seja pelo papelão do Christian Bale e Steve Carell.

O fim-de-semana à gente normal prosseguiu, fiz a mala e pus-me a caminho. Não fui muito longe... Adoro Vila do Conde, pelas boas memórias que tenho da minha infância, pela paz e serenidade que me traz. Gosto particularmente de lá ir no inverno e não resisti. Passeei à beira-mar, em boa companhia, caminhei, respirei o ar do mar. Estava um frio de rachar, agasalhei-me mal e andei à chuva. Fui inconsequente, correu bem mas poderia ter corrido mal. A quimio tem-me dado uns presentes, como uns enjoos tardios, mas há momentos de trégua em que nos sentimos tão bem que nem pensamos. Para meu bem, decidi não voltar a desafiar a minha boa sorte.

Entretanto regressei à vida de doente oncológica que tem de ficar resguardada. Digo-vos, é a maior seca. Dizem-me para aproveitar estas "férias". Eu só consigo pensar que hoje, dia 1 de Fevereiro, estaria a dar mais um passo na minha vida profissional. Hoje seria o dia em que iniciaria o estágio curricular. Para ser mais precisa, a esta hora em vez de estar a escrever num blog sobre cancro deveria estar a entrar no meu sétimo sono, a descansar as minhas ricas perninhas depois de ter permanecido o dia inteiro em pé na farmácia. Não me devia ter vindo embora de Vila do Conde, deveria ter ido para ficar, era lá que ia estagiar.

Pensavam que era só boas energias e pensamentos positivos? Lá porque somos fortes psicologicamente, a maior parte do tempo, não quer dizer que sejamos sempre assim. Momentos menos bons, existem. E ainda bem que existem, só assim valorizamos as coisas banais da vida. Como ter a liberdade de ir ao cinema,só porque nos apetece! 

Passei o dia de hoje numa luta interior. Senti revolta, fui invadida por um desânimo como não me lembro de sentir. Uma angústia... Não pelos enjoos que teimam em não desaparecer mas porque sinto a minha vida suspensa. E no meio do caos, do pessimismo, respiro fundo e penso que não está ao meu alcance controlar a situação e, por isso, a maior vitória é vencer estes pensamentos, estes sentimentos. Contrario a tendência de me isolar e faço-me rodear de pessoas. Atendo o telefone a este e aquele. Tomo decisões. Hoje foi um dia de decisões. Vou começar a estudar. Só tenho exames em Julho mas são 5, uns atrás dos outros e preciso de tempo para me preparar.  Para além disso são exames difíceis. Gosto de fazer apontamentos, deixar tudo direitinho e bonitinho para ajudar a rever a matéria antes do exame. Há anos que tento e nunca os consigo acabar, o tempo voa. 
Será desta? 
Desafio-me a mim própria e sinto a confiança a crescer novamente. 
É a vida a entrar nos eixos!




10 comentários:

  1. Compreendo-te Gui, tens todo o direito do mundo a essa revolta, a esses dias de revolta! Quem está ao teu lado, estará sempre, nos dias maus, nos dias bons e nos dias maus que tu tentas que as pessoas pensem que são bons ;) Love you

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    1. Minha Pi, e tu que sabes sempre quando os dias são maus e eu quero fazer parecer que são bons!
      Love you too sis*

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  2. Bom dia Margarida, hoje será um novo dia, pensamentos mais leves, mais energia, uma noite bem dormida vai ajudar a enfrentar o dia com mais positivismo. Não te sintas pressionada por ter que escrever, nós temos que saber respeitar os teus silêncios, só quero que saibas estamos sempre disponíveis para te ouvir, expressas-te muito bem e é sempre um prazer ler-te.
    Continua a estudar, pois sempre achei que a tua maior preocupação no meio deste reboliço todo, seriam os adiamentos dos exames da faculdade, estavam a causar em ti uma angústia muito grande e difícil de ultrapassar, mas devagarinho, com calma vais conseguir enfrentar, estas paragens forçadas vão-nos indicando o rumo a seguir e perceber os timings certos. A vida e os seus ensinamentos.
    Bjs Verinha.

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    1. Toda a gente me dizia para não me preocupar com os estudos... Nunca mais me esqueço que foste a única que compreendeu a minha revolta por ter a vida de pernas para o ar. Obrigada pelas tuas palavras de hoje e de sempre! :)

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  3. Por mais força que tentes ter no teu dia a dia e até contrariares tudo isto, arranjando mil e uma coisas para te ocupares,é normal que te sintas muitas vezes em baixo,a tua vida pessoal e académica de repente ficou de pernas para o ar.
    Nada como um dia atrás do outro e confia que tudo isto aos poucos e como tu dizes, a tua vida vai entrar nos eixos!
    Continua a lutar dia a dia, força Guida.
    Beijinhos.

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    1. Obrigada Susana!
      Um dia destes repetimos o lanche porque o que, na verdade, precisamos é de boas energias para encher o ambiente! :)
      Beijinhos

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  4. Olá Margarida. Contínuo por cá. Sem pressão... Gosto tanto de te ler. Depois, dias menos bons todos temos. Coisas pequeninas mas que nos chateiam. Tu tens toda a razão para te sentires como quiseres e quando quiseres. E nós cá estamos para te apoiar sempre. Estuda e confia Margarida.

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  5. Vemo-nos em breve Vera, prometo!
    Obrigada por estares sempre por perto :)

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