Há notícias que caem como mel. Foi o caso das notícias que recebi ontem na consulta com a Dra Ilídia.
Ontem acordei ainda não eram 7 da manhã. Um temporal, com trovoada e tudo, acontecia do lado de lá das janelas do meu quarto e pensei para mim mesma que não seria um bom presságio. Levantei-me com uma neura desgraçada, daquelas que nos levam a tratar os nossos entes queridos do piorio. Ninguém merece aturar-me, a mim e às minhas neuras.
Chegar ao IPO é sempre um tormento. Demoro mais tempo a sair da A3 e a entrar na Circunvalação do que a fazer a A42 toda. Já houve piores dias mas a verdade é que, como sempre, já ia atrasada. Desta vez, quem fez o enorme favor de me acompanhar foi o meu irmão. O primeiro dia de tratamento é muito saturante. É IPO de manhã até à noite.
De máscara posta lá entrei na caótica sala de espera das colheitas. Às 9.30 já estava despachada e sabia que tinha pela frente duas horas de espera até à consulta. Fomos até à cafetaria, para o primeiro café da manhã. Não teve aquele efeito rejuvenescedor tão característico, pelo contrário. Só de pensar nos dias difíceis que me esperavam já sentia náuseas. Li sobre isso e é possível que ocorram náuseas nos dias que precedem a quimio. Não sei se se tratará de algum efeito psicológico, mas pelos vistos acontece e, por momentos, pensei que padecia dele.
Chamaram-me para a consulta e fui encontrar a Dra Ilídia acompanhada de uma jovem médica em formação. Lembrei-me da Bé e de como me orgulho dela por ter conseguido entrar na especialidade de Oncologia como sempre sonhou. É preciso ter estofo e muito amor à camisola!
Levava comigo um CD com as imagens de um exame que tinha feito em Coimbra, uma PET (basicamente é um exame onde nos injetam uma substância radioativa que se vai ligar a zonas do corpo onde existam células com uma taxa metabólica elevada, como é o caso de células tumorais. Assim é possível fazer diagnósticos, controlar a eficácia de uma terapêutica e encontrar metástases).
Este exame é necessário, bem como o biópsia óssea, para definir o estadiamento da doença. Esta biópsia foi já a Dra Ilídia que realizou (dói "comó carago!") mas a PET foi realizada ainda nos HUC e ficou de ser enviada por correio para o IPO. Como diz a Sofia, deve ter vindo de tartaruga e não pelos CTT, a avaliar pelo tempo que demorou. Demorou tanto tempo que resolvi acionar os meus próprios meios, que é com quem diz, tráfico de influências, e pedi à minha agente secreta que conseguisse o exame para mim sem ter de me dirigir aos HUC e pagar por um exame que é meu por direito.
No entanto, a Dra Ilídia acionou também os meios dela e ontem já tinha consigo o exame.
Juntamente com a biópsia, as imagens definem o estadiamento, tipo e duração do tratamento. A equipa médica da Hematologia já tinha reunido e avaliado os exames e decidiram que o estadio do meu cancrozinho é o 2. Cancrozinho não, porque o malvado mede 12 cm. E como tal, no final, vou ter de realizar radioterapia, que é o que se utiliza para massas volumosas e localizadas. Não me agrada, pelos efeitos que traz a longo prazo... mas antes radioterapia que quimioterapia. Sendo assim, há boas notícias! Não são resultantes do tratamento prescrito inicialmente, é mais um ajuste à minha realidade, ou à realidade do Barrabás.
Não interessa, são notícias maravilhosas!
Retiraram-me um dos fármacos, o Etoposido. Vou deixar de fazer R-CHOEP para fazer R-CHOP. À primeira vista a diferença não parece ser muita. Mas é. E foi esta diferença que me iluminou e me fez abrir um sorriso de orelha a orelha: a minha quimio passa a ser de um dia e não de três! Para além disso, este medicamento que me retiraram era o causador dos piores efeitos secundários. Aquele medo, irracional, que se tinha apoderado de mim e me fazia questionar "O que me vai trazer de novo este ciclo?" desapareceu, pura e simplesmente, porque a causa também desapareceu. E como uma boa notícia nunca vem só, fiquei a saber que só vou ter de fazer 6 ciclos. Tinham-me dito 8, porque não sabiam, ao certo, o estadiamento.
Li, uma vez, aquela crónica da Marine onde ela conta que uma médica lhe disse "Nós fazemos metade do trabalho. Os outros 50% fazes tu". Receber esta notícia foi como se tivesse atingido esses 50%. Foi como receber uma boa nota num exame, sabendo que a obtive pelo meu esforço e dedicação. A Pi diz que são as correntes de positivismo geradas em torno de mim. Eu cá acho, que no meio do azar que é o cancro, tenho a sorte de ter uma ou duas estrelinhas bem grandes e brilhantes. O que quer que tenha sido, deixou-me radiante. Foi como se me tivessem ligado à ficha e recarregado as energias! :)
Para acabar o dia em beleza (nem parece que estou a falar de um dia passado no IPO), a sala do hospital de dia em que calhei era a sala das camas. Não fosse o IPO um (quase) hospital de luxo, não se faz quimio só em cadeirões, mas em camas também, ah pois! Que bem me soube! Depois de me picarem, montarem o estendal todo para começar a quimio, lá me injetaram um anti-histamínico que ainda não me tinha apercebido que fazia parte da terapêutica. Agora compreendo o sono e a moleza! Adormeci e acordei passado uma hora com a confusão... Tinham derramado um pouco de medicamento de um dos sacos. Foi cortina, foi lençóis, chão, só não caiu em cima de mim, mas também não fazia mal. A enfermeira gritou, literalmente, pelo kit de derramamento e gerou-se um movimento em torno da minha cama que, ao princípio, tive dificuldade em compreender. Mas o perigo está à vista, são medicamentos citostáticos, tóxicos. À enfermeira só lhe faltou tomar banho para eliminar aquelas pinguinhas que lhe caíram no braço. Devo ter assistido aquela movimentação toda só com um olho aberto porque ela comentou, ao colocar novo saco de medicamento, "Tás com uma rabaça!!". E disse-o com a bela pronúncia do Norte.
Posto isto, se acham que neste momento estou a levar a minha tareia quinzenal, desenganem-se. Até vos digo, comi uma bela feijoada à minhota. Eu sei, sou uma gulosa de todo o tamanho. Mas hoje estava destinado ir para o IPO e a minha mãe planeou fazer esta comida bem pesada já que eu não estava por cá. Não tenho enjoos porque estou a fazer dois anti-eméticos, não vá o diabo tecê-las, nem dores de cabeça, nem má disposição. Só uma grande secura da boca (normal), falta de vitalidade/energia e um formigueiro na ponta dos dedos um tanto incomodativo. Mas nem por isso me impediu de espalhar a boa nova!
E que venham muito mais boas novas para espalhar :D